Odeio fazer compras. Não só porque não tenho grana e tenho que ficar procurando o que se ajuste ao meu bolso. Mas porque além do ajuste financeiro tem o gosto. Não tenho um gosto enjoadinho para as coisas mas, e principalmente desta última vez que me aventurei a comprar alguma coisa, tive a impressão de que quem confecciona o que está na moda tem um gostinho bem esquisito. E quem se adapta à esses conceitos triplica essa esquisitice: a de incorporar a esquisitice alheia.
A idéia era comprar um sapato. Idéia não, necessidade, urgência. O último que tive e usei até semana passada, sucumbiu aos meus 62 quilos e muitos quilômetros rodados por dia.
Fui ao shopping, fingindo que minha intenção era a outra, pensando que assim espantaria de meu foco a irritação com a quantidade absurda de pessoas que se concentram ali às quartas-feiras. Principalmente durante as férias.
Sem me atentar aos modelos, me dirigi aos preços. Um direcionamento flutuante. Na verdade eu estava em choque. Não sabia se meu espanto era por não comprar nada há muito tempo e estar muito desacostumada ou porque as coisas estavam realmente muio caras. Acho que as duas opções se unem bem.
Na verdade eu já sabia que ia acabar comprando qualquer sapato na loja mais barata do shopping e nesta entrei por último. Fui até as promoções. E realmente eles estavam ali, de promoção. Uns modelos até razoáveis.
Estava decidido finalmente, que ali eu iria satisfazer minha necessidade extrema de calçar meus pés. O objetivo agora era achar meu número. 39.
Várias prateleiras e nenhum correspondia ao meu tamanho. É claro que eu já me preparo psicologicamente para este fato, mas é sempre muito triste ver tantas opções de modelos para os ouros números e para o meu...
O vendedor se aproxima (nesta loja tem muitos!) e pergunta todo solícito:
-Precisa de ajuda?
-Sim, preciso, respondo, entre estes aqui tem algum 39?
Ele deu uma risadinha de lado triunfante e encheu o peito feito um pombo.
-O que não estiver aí, com certeza há no estoque.
É claro que não gostei nem um pouco do tom que ele respondeu. Tinha ali embutida uma ironia intimamente ligada ao tamanho de meus pés. Claro que tinha.
-É só você escolher o modelo!
Não gostei nem um pouco dele.
-Tudo bem, vou escolher e já te chamo.
Escolhi e chamei outro vendedor, um mais simpático.
-Por favor, você poderia me trazer um desse 39?
Ele olhou bem para o modelo, bem para mim.
-Tudo bem, só um minuto que eu já venho.
Depois de 20 minutos e três vendedores me perguntarem se eu precisava de ajuda, (sem contar aquele lá que eu não fui com a cara, vir me dizer que tivesse paciência que seu companheiro já voltaria) eis que o rapaz volta sem nada nas mãos.
-Infelizmente não tem aquele modelo 39.
Não podia esperar outra notícia, mas no mínimo que ele me trouxesse outras opções.
-Pode trazer qualquer um daquela prateleira então.
E ele se foi. Mais uns 10 minutos.
-Tenho estes aqui.
Não podia reclamar. Ele me trouxe um ainda mais bonito. Experimentei e nem quis saber dos outros.
-É este mesmo.
Pois bem. Paguei feliz o sapatinho e voltei para casa mais feliz ainda por me livrar daquele pedacinho de inferno no Jardim Aricanduva.
No dia seguinte, pronta para estrear o sapato para ir ao trabalho, conversando distraidamente com minha mãe, coloco o pé direitos. Uma beleza. Problemas para colocar o esquerdo. Tiro o direitos. Coloco os dois lado a lado. Eles não combinam.
-Mãe...me mandaram dois pés direitos.
Dois pés direitos! Não, eu me recusava a acreditar. Não pelo fato em si, mas pela certeza de que teria que voltar até a loja.
-Moça, eu vim fazer uma troca.
-Qual o motivo da troca?
Fiz uma pausa. A pergunta dela não estava preenchida de interesse por realmente saber o motivo.
-Dois pés direitos é um bom motivo?
Interesse repentino. Ela olhou para mim, foi pegando devagar a caixa, abriu e repetiu o mesmo ritual que eu havia feito: colocou-os um ao lado do outro, trocou os lados. Consultou o código do vendedor e o chamou pelo microfone.
O vendedor veio, ela o chamou no outro canto e pediu discretamente para que trocasse os sapatos.
-Vai lá e não deixa que ninguém saiba disso senão é problema para mim e para você.
Fingi que não ouvi e esperei até que ele voltasse.
Ao voltar ele disse qualquer coisa no ouvido da vendedora que coçou a cabeça e sem acreditar que eu ouviria qualquer coisa que não um “Desculpe o transtorno, tenha um bom dia” me voltei para ouvir.
-Sabe o que é moça...Alguém levou os outros dois pés esquerdos. Pode ser outro modelo?
Não, não podia.
-Sabe o que é dona atendente, eu nunca gostei tanto de um sapato, então eu faço questão de que seja aquele modelo mesmo.
Vejam que não é o tipo de atitude que costumo tomar. Normalmente eu soltaria um “tudo bem” e ficaria com àquele modelo mesmo.
-Então a senhora pode levar este outro e aguardar até que os outros pés esquerdos retornem como garantia para efetuar a troca.
Concordei não por isso, mas porque na minha cabeça o fato de querer muito o outro me convencia a esperar.
Voltei para casa, no fundo muito decepcionada. Até um pouco envergonhada de não aceitar o modelo que eu tinha em mãos e que não era propriamente feio. Fui, então, me acostumando com a idéia de ficar com ele mesmo. Talvez tenha sido esta a intenção da atendente malandra.
No sábado, já que era dia de festa, abri a caixa. "Vistam meus pés, belezinhas de Franca". Coloquei o direito...O esquerdo. Bonito até. Mas um pouco...apertado.
-Talvez seja o material e por ser novo também.
Mãe serve para dar boas explicações para o que você sabe que não é nada bom. O sapato era 38.
-Moça eu vim fazer outra troca.
Era outra moça.
-Outra?
-É. Outra. Primeiro eram dois pés direitos. Aí aceitei ficar com este aqui, mas me mandaram 38.
A moça nem quis saber de mais nada e pediu para que o vendedor fosse trocar. Era o petulante, folgado, insuportável da primeira vez.
-Ah, mas não tem problema de ser 38. Ele laceia.
Um ultraje. Ele não sabia mesmo com quem estava falando. Daquele papo eu já estava calejada e mais que treinada para arremessá-lo para bem longe. O papo e ele se possível.
-Sim moço, laceia. Mas para ficar confortável num pé 38 e não para virar 39.
Sem nenhum argumento mais poderoso, ele, o tirano, se dirigiu contrariado ao estoque.
Voltou pronto para dar uma má notícia, com aquele mesmo ar irônico da primeira vez.
-Não tem mais esse modelo que te deram. Mas tem este aqui.
Lá estava ele. 39, com as mesmas fivelinhas prateadas do primeiro encontro. O comprador dos dois pés esquerdos também tinha se manifestado. Mas eu não daria meu braço a torcer. No fundo todo mundo gosta de fazer o papel do consumidor ofendidíssimo. Afinal,um sapato e só um sapato!
-Tudo bem, fazer o que, registre a troca por favor moça.
Créditos: Rauzito - "Sapato 36"
Eu calço é 37
Meu pai me dá 36
Dói, mas no dia seguinte
Aperto meu pé outra vez
Eu aperto meu pé outra vez
Pai eu já tô crescidinho
Pague prá ver, que eu aposto
Vou escolher meu sapato
E andar do jeito que eu gosto
E andar do jeito que eu gosto
Por que cargas d'águas
Você acha que tem o direito
De afogar tudo aquilo que eu
Sinto em meu peito
Você só vai ter o respeito que quer
Na realidade
No dia em que você souber respeitar
A minha vontade
Meu pai
Meu pai
4 comentários:
eu li todas as linhas atenciosamente! vc é fabulosa como seu pé 39! pra te consolar minha irmãzita calça 40 ou 41, só aqueles tênis de jogadores de basquete americanos, hahaha
mas eu calço o mesmo número do Raul que aqui no Japão é 25,5 cm. aqui é diferente! levar uma botinada sua, nem pensar...(brincadeira mesmo) amo-te
ADOREI!
puxa que odisséia, hein, ufa"
pelo menos rendeu um bom post pra blog!
agora eu quero ver o sapato novo!
bjs
Pequena padawan, que Saga Star Wars a compra desse sapato! hahahaha
É trágico e cômico, tenho que confessar.
Se a confusão fosse com um par de tênis All Star, um de cada cor, por exemplo, vc poderia fazer cover de Punky - A Levada da Breca. Não consigo pensar num engano mais agradável que este (tá, esqueça a parte de que as pessoas te apontariam na rua e ririam da sua cara).
Eu gosto de te ler, Pollyneide.
Beijos da Inara - sempre um comentário inútil pra vc!
Meu, ri demais!!!!! rsrsrsrs
Sabe que já passei por episódio semelhante? Com uns sapatos que eram presente pra minha mãe. Veio 36 e 37. E adivinha? Alguém levou os outros pares 36 e 37 e tive que escolher outro modelo.
Bisurdo!
Nunca me recuperei.
Mas é isso aí..
Ainda anda pedra?
Grande beijo.
Karen
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