A Lisandra conheceu o cara num curso de culinária. Ela vivia bem, tinha um cachorro, uma casa, um pinto amigo e um trabalho para pagar a bebedeira de final de semana.
Quando conheceu esse cara, estava no auge da beleza, era vistosa e poderia ter qualquer homem aos seus pés. Era uma belezinha de porcelana, toda limpinha e arrumadinha. O curso de culinária era desculpa para ter o que fazer nas horas vagas. Não era bem nos seus dotes na cozinha que seu amigo de favores sexuais estava interessado.
Esse cara que Lisandra conheceu no curso era um primor. Maduro, olhos negríssimos, alto, óculos que lhe dava uma seriedade a mais, porque os anos estampados em sua cara não lhe trataram mal. Vendo-o ali parado na sua frente, um presente caindo em seu colo e olhando em seus olhos, Lisandra corava.
Jorge. Era o nome do cara. Durante as primeiras aulas em que aquela obra de arte em forma de gente apareceu, Lisandra mal prestava atenção no que fazia, no que falavam e sequer ousava olhar para ele. Não conseguiam fritar um ovo, até que, insistentes, os dois passaram a se encarar.
Dali para o primeiro beijo, a gente não sabe bem como as coisas aconteceram. Essas coisas são rápidas de maneira tão inexplicável, que se eu pudesse colocar a mão na boca de Lisandra não seria suficiente. Uma fração de segundos a faria repetir o movimento e tocar a boca de Jorge.
Deixou o Alexandre para escanteio. Ele, que tanto fez Lisandra feliz nas intermináveis noites que passaram juntos, colocando suas criatividades e corpos para trabalhar. Alexandre se descobriu perdidamente apaixonado por Lisandra depois de ter sido dispensado. Lisandra não ouvia, não enxergava, atropelava quem estivesse pela frente. Só queria Jorge: era seu farol.
Leitores e leitoras, perdoem aqui minha ousadia em relatar tais detalhes que virão. Mas Lisandra passou a ser discretamente infeliz e cultivar um sorriso ansioso no rosto. Alguns que aqui chegaram, sabem que receber uma boa assistência no que diz respeito ao que se faz em cima da cama (além de dormir), no elevador, no banheiro do bar, no banco de trás do carro, é de primeiríssima necessidade. Tão importante quanto arroz, feijão e papel higiênico. Jorge, aquele ser esculpido com detalhes cuidadosos e um cozinheiro de mão cheia não trabalhava com tanto talento para atender as espectativas artísticas-sexuais de Lisandra. Não era má vontade. Era falta de vocação.
Quando a mal assessorada Lisandra descobriu essa pequena dificuldade do moço, sentiu-se envaidecida. Ele dizia que nunca houve ninguém tão especial e linda em sua vida e que era muito difícil para um homem ter um bom desempenho diante de tal preciosidade. Nessa mesma época, Jorge virou assistente da professora do curso. Lisandra encheu-se de planos e os dois começavam a fazer as contas para abrirem o próprio negócio.
Após incansáveis tentativas, durante noites que duravam uma vida, sem o menor sucesso da parte de Jorge, finalmente, com um céu pouco estrelado, aconteceu. Cinco minutos, mas foi o suficiente para Lisandra emocionar-se até não ter mais de onde tirar as lágrimas e ficar achando, durante uma semana que havia engravidado.
Não esperemos tanto de Jorge. Ele amava honestamente Lisandra, mas a pequena não só não engravidou, mas começou a acreditar que a culpa era sua. Sabem como é moça criada em família católica.
Alexandre não havia desistido de Lisandra. O pobre rapaz, muito mais moço do que ela, não se cansava de esperá-la sair do trabalho, de ligar para sua casa incontáveis vezes, de mandar presentes. Lisandra, balançada e saudosa dos velhos tempos, não resistiu, como bem podemos imaginar, afinal ele sabia como mantê-la nas alturas por muito mais de cinco minutos. Já Jorge ainda não havia chegado neste nível de dificuldade.
Mas Lisandra estava mais do que decidida de que era com Jorge que deveria ficar e se dedicar. Quando finalmente decidiu que silenciosamente, iria tomar as providências para o casamento, Jorge começou a trazer à tona toda a insegurança, antes reprimida, de um homem que...bem... de um homem que se esforçava, mas que não chegava lá. Controlava os horários de nossa dedicada futura dona-de-casa, a enchia de perguntas e espectativas e esfregava com mais freqüência seu corpo impotente e inseguro em Lisandra, na tentativa de mostrar quem era o macho da casa.
Lisandra se cansou. Procurou umas amigas, mas antes não o tivesse feito. Viu que os créditos dados a Jorge por conta de sua boniteza, faziam com que seus relatos perdessem a credibilidade e despertava o interesse de aproximação das cadelas no cio.
Resolveu pedir cuidadosamente para que Jorge deixasse sua casa. Ele estava em choque, praticamente em estado vegetativo. Amarrou-se na cama, disse que dali não sairia, ameaçou se matar e matá-la também. Lisandra, imediatista e sem nenhuma aptidão para usar seu cérebro, resolveu sumir da cidade. Deixou seus documentos, seu dinheiro, seus dois cachorros...( já havia levado para criar mais um e compensar a solidão que sentia acompanhada de um meio homem, muito bonito.)
Alexandre foi a única pessoa que preocupou-se em trazer Lisandra de onde quer que ela tivesse. Revirou a cidade, vasculhou o planeta. Mas não há como resgatar uma mulher que se joga no precipício e sangra sem necessidade. Ela sumiu do mapa.
Jorge, recuperou-se muito bem de sua dor e hoje tem sua própria escola de culinária. Tenta comer uma das alunas, quinze anos mais jovem, mas não consegue. Ela acha tudo muito engraçado, inexperiente que é brinca que ele é como Fusca 69 do pai, que só pega no tranco, anda mal e ainda faz barulho de motor. Alexandre se tornou voluntário na ONU e ajuda vitimas mutiladas por minas terrestres em Moçambique. Lisandra, que hoje atende pelo nome de Soninha, é a preferida do Sêo Giló, cliente assíduo do Magenta Night Club, que fica ali pelas redondezas da Fernão Dias. Ele gosta dela, porque depois da noitada, ela faz ovos mexidos, suco de laranja e pão-de-queijo de café da manhã.
4 comentários:
Bela estória.
beijos
Arrasou!
Me fez lembrar uma história que minha vó me contava quando eu era pequena e que ela nunca soube o final...era a Estória de Soledad... não tem nada a ver com esta, mas me lembrou tanto... rs
bjins
Meu irmaõ chama Jorge. Nada como ser professor de escola culinária para comer alunas.
Vou dar a idéia pra ele.
O Jorge parece o Luciano Szafir
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