Na mesma poltrona de sempre esperando o ônibus sair. A única diferença, antes do assombro de minutos antes, foi a frequência da tintura vermelha nas unhas: aumentou enquanto procurou ser ela mesma nos últimos meses. Tinha acabado de ganhar um livro de uma pessoa que era tão ingênua e alheia ao que aquele livro representava, que a leitura do primeiro conto foi toda contaminada pela lembrança daquela figura que tinha a cara rebocada pela Avon.
Durante o dia relutou muitas vezes. Cada linha que lia sobre a autora era um arrepio na alma. Cada linha que lia da autora era o assombro do encontro.
Susto: o assombro não era de nenhuma linha, de nenhuma letra, de nenhuma palavra. O susto veio de onde nunca teve palavra. Há pelo menos um ano o observava silenciosamente, com a indignação e o despeito que só os rejeitados podem ter. Ele nunca olhou para ela, nunca a desejou como os outros a desejam com a frequencia que banaliza e a faz esquecer da própria beleza. Nunca... Nunca.
Ele podia ser qualquer perfeição. O uniforme que usava, ( em outros corpos tinha aspecto sujo e triste) parecia ser parte do que tinha que ser. Simétrico, contido nele mesmo. Nada além. Até que veio o sorriso.
Sempre tão sério, tão sóbrio, tão sombrio, sorriu para ela. Pode passar!
Acabou. Tudo se acabou naquele instante. Subindo o segundo degrau da escada, ela viu que ele virou gente. Gente que fala e sorri e que consegue mostrar toda a tragédia de uma vida puxando um músculo além da medida, com um olhar perdido, com um braço largado no corpo.
Pode passar e o sorriso. A imagem ficava se repetindo. Não conseguia mais ficar na leitura, nem na poltrona.
Abriu a janela e dormiu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário