Deitados, com os corpos nus e cansados em algum lugar há um pouco mais de cinco verões atrás, ele plantava a dúvida e ela defendia Capitu.
Desculpem. A conta dos verões deve estar errada. Há muitas estações, que amantes não discutem nada além de trivialidades.
Não localizemos o tempo. Façamos os caminhos tortos, servirem à qualquer relação. Erros são atemporais.
A conversa seguia preguiçosa e com silêncios daqueles que constrangem. Quem ditava o ritmo era a moça, que parecia ter mais a perder.
O moço pensava no rock batido de três acordes, de outro verão que o remetia aos olhos de sua primeira pequena. Era uma daquelas bobinhas, lindas de boca fechada, olhos claríssimos, se é que podemos pegar aqui emprestado, os superlativos de José Dias. Mas os olhos da pequena não diziam nada além de uma sem gracice sem tamanho. Era o tipo que o homem de qualquer século gosta de ter ao seu lado. Não incomoda, não o faz ferver de ciúme, não o obriga a nada além de permancer.
A moça, por sua vez, sentia o corpo ainda pulsar, ainda tremer, ainda, ainda, ainda... Falava de Capitu, da covardia de Bentinho, enquanto o sangue lhe corria pelas veias em velocidade descompassada. Estava viva e era à toa. Enquanto seu corpo pingava de suor, o dele pingava de ódio e culpa. Ódio pelo ciúme que sentia dela e culpa por não contar-lhe nada. Gostava tanto dela falando, beijando, trepando... que sentia calafrios. Era um pavor. Por isso, refugiava-se nos olhos mortos da antiga pequena e nas frases que alternavam citações de Marx, Che Guevara, Guimarães e do dono do boteco na Vila Matilde.
Tinha medo da ressaca. Da dissimulação. Do diabo que repousava o corpo ao lado do seu.
Exclamação!
O máximo que um homem faz ao se deparar com o diabo, é ficar um tempo sofrendo ali, se corroendo por dentro, sofrendo em silêncio, se ausentando pelos cantos. Enquanto ela vive.
Quando resolve expor sua covardia, os leitores se confundem. Todos se compadecem do infortúnio que o assaltou.
A perfeição, a esperteza, a beleza já não são mais admiráveis em Capitu. Um homem envenenado por sua própria insegurança, transforma qualquer qualidade em armadilhas e afrontas.
Nenhuma defesa cabe à diaba dos infernos profundos que desgraçou a vida dos Bentinhos que encontramos por aí.
A moça-Capitu, vai pro fundo da gaveta. Junto com as lembranças infantis e mal resolvidas do moço-Bentinho: soldadinhos de chumbo, intimações policiais e cartinhas de verões da época da pequena sem graça, que o fazia dormir em paz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário