"Andei trancada na falta de vontade para escrever. Comecei uns três. Tenho que publicar? "
Segunda-feira acordei de ressaca. Como acordei hoje. E ontem também. A de ontem foi pior. Fiquei provocando choques térmicos com a água do chuveiro para ver se passava a sensação de ter tomado um litro de pinho sol. Pano de chão, alvejante, desinfetante... Pode-se ver que meus parâmetros são bem caseiros e se precisarem de uma diarista, depois passo meu contato telefônico.
Para um início de semana, minha intuição dizia que aquilo não era um bom sinal. Claro que a “intuição” não veio do além, pois eu mesma ingeri consciente toda a bebida e ainda paguei a conta.
Cheguei a conclusão que não deveria ter levantado da cama. Não achava meu bilhete único para ir trabalhar. O que era um grande inconveniente, já que eu não tinha um centavo no bolso e estava atrasada.
-Pai, você tem uma grana para eu pegar o ônibus?
O velho vive perdendo as coisas dele, mas não ia perder a oportunidade:
-Onde você enfiou o seu?
Não sei pai, não sei mãe, não sei de nada, não sei o que vim fazer nesse planeta.
-Toma, só que você vai ter que trocar em algum lugar porque eu vou precisar de dinheiro para colocar gasolina.
Simplesmente abomino a idéia de pedir favor ou até mesmo comprar qualquer caixa de fósforo que seja na mercearia que tem aqui perto. Por sorte ainda existem vendedoras de balas na esquina.
-Ah moça, me desculpe...não tenho trocado.
Bom nem tanta sorte assim, mas eis que vem uma voz leve do além
-Volta qui moça, tenho sim. É que eu tenho que deixar escondido por causa de assalto e acabo esquecendo.
Dinheiro trocado, dei a parte que cabia ao velho e fui pegar o ônibus.
Não preciso dizer o quanto é deprimente essa parte do dia, porque não é um ônibus. É aquela Volare apertada, em que estar sentado não é grande vantagem. Quem passa no corredor tem que pisar em quem esta sentado no banco para conseguir descer.
Certa altura do trajeto deste dia nada promissor, consegui sentar ao lado da janela e um rapaz paraplégico, que pedia esmolas entrou pela porta de trás. Depois de um tempo pedindo moedas sem grande alarde ou textos bem preparados, rimados e exaltados, sentou-se ao meu lado.
Estranhamente comecei a sentir o braço daquele ser, encostando na minha cintura. Pensando se tratar apenas de um problema do sacolejar da condução, empurrei discretamente suas mãos para o lado. Mas sua nova investida não foi tão discreta. Empurrei seu braço, me levantei e fui sentar do outro lado, onde a moça que havia entrado comigo foi sentar-se, pois havia também para ela uma janela vazia.
Como se não bastasse isso, o cidadão começa a despejar meia dúzia de absurdos.
-Ah se eu tivesse uma mulher assim...Porque o que não funciona em mim é somente as penas né? O problema é que nenhuma mulher me quer mas se elas soubessê como sou bom no que faço...
Respirei fundo e mandei o camarada calar a boca. Ele não calou. Falei um pouco mais alto e ele disse “tudo bem, eu fico quieto”.
Só que ele não ficou e vomitou um texto impublicável. Entre outras coisas, virei a culpada por ele ter levado um tiro nas costas, pois boa coisa ele não estava fazendo, virei uma comparsa de seus perseguidores lá do Jardim Conquista e era o grande motivo do fato de ele querer continuar a pedir esmolas.
-Motorista, abre essa p**** dessa porta porque se esse cara não descer eu mesma dou um chute e ele sai rolando daqui.
Nenhuma reação do motorista. Silêncio no coletivo. Coletivo? Parecia que eu gritava num quarto vazio. O cara era paraplégico; a louca que gritava com um pobre pedinte indefeso, era eu.
-Vô descê sim. Mas eu vô descê porque eu pensei que cê era mulher e cê não é.
A essa altura eu já estava aos berros.
-Talvez eu não seja mesmo seu f**** d* p***, mas eu não me escondo atrás de um problema para enganar meia dúzia de imbecis que acreditam em você.
Vejam que mesmo numa situação de tensão, tenho a incrível capacidade de colocar para fora meu discurso inútil de valores.
-Cê vai ver...quando chegar um estuprador pra te catá cê nem vai saber de onde ele veio...
Ele desceu e eu aos prantos só pensava em dar outro tiro no doente, só que dessa vez bem dado.
Só ouvi o cobrador dizendo: “Que boca suja”.
Lembrei de minha mãe, que também falava isso para meu vizinho quando ele tinha oito anos.
A moça que estava ao meu lado ainda se dignou a dizer que se eu acreditava em Deus, não deixaria aquilo me abalar, porque nada daquilo iria me atingir.
Mas eu estava mais do que atingida e Deus não iria resolver meu problema acumulado de anos. Praguejava silenciosa contra o mundo.
Tem gente que passa por coisa pior, sei disso. Tanto que cheguei ao trabalho contando apenas para uma pessoa o que aconteceu. E ela me deu exemplos maravilhosos de que aquilo não era nada.
De nada em nada, elas vão ficando quietas. As mulheres. A gente vive a banalização de tudo, porque iria ser diferente com o corpo e com a vida sofrida? Deixa o troglodita dar só uma roçadinha e fica bem quietinha que ele não vai te fazer tão mal. Acredita no coitadinho que se arrasta na esquina e em seus dramas pessoais horrorosos, que de moeda em moeda, sua culpa aumenta e o bolso dele fica mais cheio.
Além do cobrador, o motorista e meia dúzia de passageiros também eram homens. Não moveram um músculo para trás, para ver o que estava acontecendo. Colhões deviam ter. Só que não tinham mãe, nem filha, nem avó. Certeza absoluta de que eram filhos de chocadeira.
Voz no Nextel: “Não é pra deixar esse cara subir. Ele já arranjou confusão outras vezes e ninguém mais dá carona pra ele”.
Motorista meio sem graça: “Não se preocupa moça, da próxima vez ele não sobe...”
Voz no telefone às 18:30: "Achei seu bilhete único sua louca. Tava na bolsa vermelha que você usou ontem"
8 comentários:
"Quem entende as mulheres?"
Então por causa do problema dele, ele achou q teria o direito de te invadir?! E se vc já tivesse sido vítima de abuso sexual, De quem seria o maior drama? Entende?
A gente sempre acha q a nossa dor é maior. Na verdade, basta ser dor e basta ser sua.
Colhões de m**
Engraçado que as pessoas se aproveitam de seus problemas.. não se quer piedade, nem apenas preferência.. se quer benefícios, isenção de culpa por ter problemas..
Eu quero morrer quando isso me acontece.. até quando alguém simplesmente me olha logo com essas intenções.. parece que o valor se reduz ao de um pedaço de carne!!! Coisa infeliz.
Amei o recadim no meu blog, Flor! ;)
Bjins
Polly,
Nessa hora vc poderia ter chamado Inara Norris. Já chegaria com os dois pés no peito do sacana.
Mana, que merda. A questão da vulnerabilidade me preocupa. Não só a minha, mas a de todos que me cercam. Ninguém é imune, o que é de fato assustador.
Fica boa.
Coisas de quem vive.
E tu és deveras corajosa! :)
Polly, demorei um tempinho pra vir aqui, mas fiquei um tempão meesmoo, lendo desde o início, suas histórias com o teatro, o grande Hendrix como moldura e tudo o mais.
Espero que, desta vez, você siga com este blog. Uma ou outra alteração de rumo pode acontecer, mas acho que você tá encontrando o caminho que quer, que busca.
Gostei muito de vários posts, grandes ou pequenos, como o da morte de Caymmi.
Volte sempre ao Jornal da Lua, tá bem?
Se quiser receber (bom) material encaminhado (piadas etc), mande um mail:
billfalcaostar@gmail.com
E um bjooooooooooooooo!!!!!!!!!!!
- Olá polly,estou visitando seu blog pela primeira vez, adorei o post apesar de mostrar uma coisa triste ao mesmo tempo...Pois aqui no rio de janeiro o que mais acontece é isso,já tive diverssas "confusões" dentro de coletivos por conta de homens que não tem o mínimo de respeito com as mulheres,e realmente não pensam nas filhas,irmãs e outros parentes do sexo feminino que eles tem em casa,pois quem faz um dia pode acabar tendo alguém próximo daquele mesmo fato no outro...nao tiro a sua razão do estress nem nada os caras andam abusados mesmo.Ah tente nao beber tanto ressaca faz mal ... brincadeira.
Um abraço . ta linkada !
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