terça-feira, 28 de outubro de 2008

O livro dos prazeres

Às vezes me coloco no lugar dos conhecidos e dos desconhecidos para escrever. Na categoria dos desconhecidos, coloco-me em meu próprio lugar e vivo a vida que não é idealizada, mas também não é palpável. Não é a minha. Eu narro?

Faço os recortes, junto aos momentos, os lugares onde seria improvável que algo acontecesse. O extraordinário. O banal. Nada de mais. O que não te importa, tem toda a minha atenção precária. Já o que te espanta é meu tédio. Você não é nem conhecido, nem desconhecido. Você é a segunda pessoa que eu não gosto. Não quero o teu deslumbre. Prefiro o quê você mantêm na ignorância. “Mantêm” ainda tem acento?

Mas, de todas as estórias possíveis, não consegui a do livro dos prazeres. Sempre me escapa, sempre vai embora, como no medo das coisas não ditas, apenas porque o dizer poderia sufocar, ou romper a bolha de sabão onde fica o fugaz do que não volta.

Não sei porquê o moço lia o livro. Sei que leu depois do narrador ter lido. Até hoje não pude me colocar direito em seu lugar. Direito, não é de acerto, mas de me posicionar com coragem para poder pensar o seu pensar, com a minha posse disfarçada. Do meu jeito de querer as coisas só para mim e fingir que não ligo. Mas meu coração pulsou.

Do lado dele, o catador de latinhas. Do lado, na condução. O que diferenciava o catador do estudante era que as mãos que seguravam o livro não eram as do catador. O prazer era o mesmo. O catador além das latas, descartadas por quem usou todo seu conteúdo enquanto convinha, pedia emprestado as letras do livro, sem pronunciar nem uma palavra. Era um acordo silencioso, que qualquer suspiro colocaria a perder.

O drama de quem narra o que não viu é se enganar e acreditar a ponto de fazer quem lê acreditar também; ou de fazer quem lê, duvidar a tal ponto que sinta vergonha do que está lendo. O drama e o destino. O destino de quem escreve é se jogar sem jamais cair de verdade, porque sempre tem o abismo da última linha que salva.

As linhas que ambos percorreram levaram-nos até o ponto final, o metrô.

Depois do prazer, o pesar. Na última frase do livro, o pesar do catador “Já acabou? Agora que estava ficando bom?”
Sem jeito o estudante sorriu e sem coragem de entregar-lhe o livro, se foi. “Toma, é seu”, poderia ter dito. Mas todo prazer tem um prazo e o prazo acaba no fim mesmo. O fim é que era só um catador que foi seduzido pelas últimas páginas de um livro. A dor do narrador é que o rapaz não entregou o livro, por causa do narrador mesmo e...o narrador chega a conclusão que não tem nada de mais nisso. Era só um catador de latinhas e o livro acabará por cumprir seu destino também: esperar.

Um comentário:

Naty Dezoti disse...

Eu tava ainda tentando digerir o texto sobre a filha do vento, quando vejo esse tão bonito, tão puro, tão Polly.
E vamo gritá, vamo gritá, vamo gritá, vamo gritáááá!!!!!!!!