Matilde encostou o Corcel II na frente da casa vizinha a dele. Lamentou que Valéria tivesse chegado um minuto antes. Toda de rosa e com aquela simpatia afetada, Valéria acenou para Matilde enquanto entrava na casa. Matilde fingia que estava arrumando coisas no porta luva, antes de sair do carro. Esperou Valéria entrar totalmente na casa e saiu. Olhou bem a entrada. Fazia uns dois anos que não entrava ali. Pisou na sala. Escondeu a arma. Percebeu que todos estavam na cozinha e subiu as escadas que levavam aos quartos. Olhou tudo mais ou menos bagunçado no quarto dele. Viu que sua tevê de catorze polegadas e seu Mega Drive III estavam lá e foi recolhendo os fios para levá-los embora. Viu o computador ligado. Lembrou que tinha arquivos seus ali. Mas queria fuçar nos dele. Tentou se segurar e desviou a atenção para a cama de solteiro desarrumada como nos velhos tempos. Arrumou tudo com falso interesse. Parou e sentou em frente ao computador. Quis se convencer de que iria copiar somente seus arquivos. Não resistiu quando viu o ICQ e foi abrindo contato por contato. Ia memorizando os nomes das mulheres, para depois procurá-las nas redes sociais e ver a cara das vadias. Quando se virou, viu a cama bagunçada de novo. O estrado afundado e um par de pernas saindo do meio do emaranhado de cobertores. Se levantou assustada e deu a volta até o outro lado da cama. Era ele deitado ali, de peito nu, com aquela calma de quem investiga.
- Achou o que você queria?
- Tava só pegando meus arquivos
- Eu sei. Vai levar essa velharia embora também?
- Já deveria ter levado.
Ele se aproximou dela, chegou bem perto. Ele encostou o lábio e ela virou o rosto, com uma lágrima caindo.
- Você vai ser pai?
Ele olhou para cima, procurando no teto um buraco para fugir.
- Era uma menina do cursinho...ela não significa nada para mim. Faz muito tempo, nem lembrava dela.
- E quando você soube, jogou a culpa nela como fez comigo?
Ele parou e olhou fixo nos olhos. Saiu do quarto. Matilde voltou para o computador. Enquanto terminava de pegar seus arquivos, um sinal sonoro com a mensagem no ICQ:
"Matilde? está ai?"
Sim ela estava mas não ousaria responder a mensagem. Era a mãe dele.
"Estou aqui no restaurante "Tudo gostoso", Quero que venha me encontrar.
Beijos"
Mas antes que pudesse processar a informação, Glenda entrou pela porta.
Matilde amoleceu e não conteve as lágrimas. Deu um pulo e correu para abraçá-la.
Glenda levou-a até a cozinha.
Um banquete de massas.
Macarrão
Lasanha
Muita lasanha.
Comeu tudo e tanto....a fome não tinha fim. Glenda olhava maravilhada e saudosa para Matilde. Com a desenvoltura de antigamente, ambas conversavam, riam e confidenciavam coisas. A maior parte das confidências de Matilde era sobre seu irmão e a de Glenda, sobre o filho.
Matilde não percebia.
A arma estava derretendo.
Glenda não percebia.
Seu filho estava indo embora.
Seu filho foi embora.
Glenda perdeu seu filho.
Matilde nunca o teve.
Nem ele teve Matilde.
Matilde acordou num susto.
Seu pai abriu a janela.
Derrubou o violão.
Abriu os olhos e não conseguia se levantar.
Sentiu raiva do violão desafinado, como sempre.
Um comentário:
Denso, hein?
Ficou preso na garganta.
Acho que não entendi tudo, mas superficialmente falando, acho que a Matilde daria uma boa personagem de um filme do Tarantino.
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