segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Matilde revisita...e dec...

"Mas como atravessar a enorme extensão até a porta? Sozinha,
como uma fugida? Viu que chegara ao impasse de si mesma. Então, em meias palavras,
confessou seu drama a uma das professoras, disse-lhe que não queria sair sozinha e a
moça, entendendo, levou-a até a porta."

"Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres" C.L. 



- Desde quando você tá coçando?

- Desde que me deu na telha. Já enfiei muito dinheiro no seu rabo.

- Que jeito é esse de falar?

- Jeito de quem tá de saco cheio de você aí com essa cara de quem perdeu o que nunca teve.

- Desculpa, sei que você já trabalhou muito, mas não precisa ser agressiva assim.

Matilde subiu a escada e deitou.
As malditas estrelas.
O violão caído.
Nenhuma decisão para tomar.
Ninguém para perdoar.
Só o teto ali.

Pulou a janela e sentou atrás da caixa d'água da casa da vizinha. Tateou a parte de trás da calça.

A arma?
No lugar só tinha uma crosta dura.

- Matilde? Tá louca?

Era a dona da caixa d'água estendendo a roupa.

- Tô.

- O que aconteceu? Tá fazendo o quê aí?

- Você me trancou num quarto escuro e úmido com um penico...

- Matilde...

- Pensou que eu não lembrava? Eu lembro bem...e lembro da sua cara olhando pela janelinha pra ver se eu tinha bagunçado seu precioso muquifo.

- Não fala assim. Eu não tinha tempo de ficar cuidando de você e do seu irmão...seu pai sabia e...

Matilde levantou
Pegou um pedaço de ferro enferrujado
Bateu insistentemente
Estourou a caixa d'agua
Vizinha levada pela mini enxurrada

Pulou para o telhado vizinho, que antigamente era casa de sua tataravó. Não sabia mais se ali era um bom lugar para abrigar-se, lembrar-se, reconforta-se.
Quando entrou na cozinha, sentiu o velho cheio de Nescafé e reparou nas cinco xícaras azuis em cima da mesa. Nunca entendeu porquê uma tataravó alemã tinha tantas coisas de Portugal. A tataravó estava morta como sempre e Matilde deitou no chão da sala. Seu amigo estava deitado ali, bêbado e sorridente. Matilde deitou do lado. Ele pegou na sua mão.

Matilde sentiu calor
Sentiu o coração

O coração?
No lugar só tinha uma crosta dura


Calor Matilde!
Matilde se assustou
Um olho marejou
O outro também
Suspirou
Dormiu

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