terça-feira, 9 de agosto de 2011

Matilde era de um tempo em que se tinha curiosidade de ver a letra da outra pessoa para dizer se era bonita, feia, se escrevia corrido ou truncado.
Mesmo assim, preferia enfiar a cara e os dedos no computador. Desde 2002. E hoje 2011, viu que tinha muitos bytes amarelados. Sinal de que não serviram pra nada.
Sem emprego, sem serventia, sem um homem pra chamar de seu, Matilde viu que não tinha comida também. Juntou os bytes amarelados e foi bater na capenga Gazeta da Vila Prudente, especialista em anúncio de espigões com varanda gourmet da área emergente da Zona Leste.
- Quanto vocês pagariam por esses textos?
- Não pagamos. Você nos dá o texto e se alguém quiser anunciar  você ganha sessenta e nove centavos por acesso.
- Acesso? Mas não tem mais publicação impressa?
- Imprimir? Pra quê? Pra ficar com esse cheiro aí?
Lembrou que na época em que trabalhava na corretora de seguros, atendia o Sêo Shigueo que vinha protocolar propostas de seguro de vida, sempre vestido com o mesmo terno cinza e tinha cheiro de papel velho misturado com cheiro de cigarro curtido...fumava Campeão.
- O jornal tem muitos acessos?
- Só os classificados e a parte de esportes.
Pensou em anunciar os textos.
- Não pagariam nem um pão na chapa.
- O que o senhor disse?
- Nada...eu não disse nada. E aí. O que vai fazer?
- Na verdade, eu só queria um café e um pão na chapa mesmo.
Matilde! Matilde que nasceu de uma experência de quase morte, ainda era capaz de sentir ânsia de vômito ao pensar em comida. Era mais de meio dia e estava naquele estado que de tanta fome é incapaz de comer.
O cara da recepção tirou um real e vinte e cinco centavos do bolso.
- Toma. Dá pro pão e pro café.
- Obrigada.
Matilde foi saindo.
-Ei! Vai deixar esse lixo aqui?
Voltou, pegou os textos e saiu.


 

6 comentários:

Estranha Sociedade dos Seres Estranhos (ESSE) disse...

Escreve tão bem! Pena que a Matilde não solta as tuas correntes, como ela amarra em seus dentes! Calibre se mede! Mas o estrago é que comove!

Franklin Jones disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Franklin Jones disse...

Amore!! não conseguir ler a sua carta.

Mas a primeira já revela, muitas inquietações e anseios recentes!! Como quebrar velhos e novos paradigmas??

Ivan Simurra disse...

que bonito....
saudades de palavras escritas....

Dilson Rufino disse...

uia... to gostando de ver/ler...
bj

Thabata Garcia disse...

... eu tenho caderno sem pauta ...
... vou procurar aqui e te aviso,
se ainda quiser, rs ...
... "curti" o blog ...
... tudo de bom ...