sábado, 16 de janeiro de 2016

O julgamento, o ego e a torre

Fazia uns anos que não a via. Até que ela voltou de vez ao país e quis sair pra conversar. Mas não me comovi e preferi ficar em casa, dei uma desculpa.

Ontem, estava andando por uma rua muito estranha,mas de lugares conhecidos: casas,escolas,bares e ela estava vindo na direção oposta. Pensei em virar o rosto, fingir que não a vi. Percebi que o corpo dela queria o mesmo. Mas não teve jeito.

- Oi... Que coincidência te encontrar aqui.

E abriu aquele sorriso honesto ,que me incomoda. Sei lá. sempre gostei dela. Mas hoje posso afirmar que aquele sorriso me incomoda. E tem outra coisa: as linhas de expressão na testa! Quando vi aquelas linhas da última vez que ela esteve aqui,quis sumir! 

- É, muita! Estou dando uma volta, arejar a cabeça.

- Posso ir com você?

Claro que não! Mas já era tarde. Ela deu meia volta e começamos andar na direção do nosso antigo bairro.

- Faz tempo que tô querendo falar com você. É que eu saí algumas vezes com o Fernando estava querendo te contar. Tô meio gostando dele.

Tinha um cachorro acompanhando a Luciana. E até agora não sei se aquele cachorro era dela,se era da rua e porque diabos ele tava acompanhando a gente. Quando ela falou do Fernando foi como se um túnel de vento abrisse nos meus ouvidos. E não foi porque eu já tinha gostado muito dele. 

Depois disso, não me lembro muito da conversa. Só dos muros velhos, pixados,mal cuidados que apareciam no caminho.
Até que chegamos numa rua,onde todas as casas tinham escadas enormes até chegar na entrada. Lá em cima estava o Fernando. Dizia palavras de ordem, com aquela cara ensebada de suor,bem mais gordo e aquelas roupas mal cuidada de filhinho de papai que quer chamar a atenção. Me deu vontade de contar pra Luciana. 

- Vamos subir?

Que eu já tinha gostado dele,ela deveria saber.  Senão, porque teria dito que queria me falar dele, naquele tom de amiga confidenciando algo constrangedor? Não era constrangedor! Não Luciana!constrangedor era eu não saber se deveria te contar ou não o que o Fernando fez!

Chegando lá em cima ele me olhou e veio me cumprimentar. Do mesmo jeito, com o mesmo ar de "deixar o passado pra lá" de quando o encontrei no metro.

- Eu posso esquecer tudo,Luciana. Menos que eu sei que foi ele quem matou aquela moça. Foi culpa dele sim. E foi ela quem me disse... Sim,ela! Mas quem acredita que os mortos vem falar as coisas depois? ela veio um dia e tava confusa, Contei pra ela o que aconteceu e ela chorou muito. Depois de uns meses ela voltou e disse que lembrava o que tinha acontecido. Mas ela tava com raiva! Todo mundo o tolera, porque ele se faz de coitado, virou ativista. Mas sabem que no fundo, alguma responsabilidade ele teve. Sim, foi sem querer, mas foi ele! E quando eu cheguei perto de descobrir isso, com provas e fatos, ele começou a falar mal de mim, que eu era louca, que ficava no pé dele querendo casar. Disso eu esqueço, mas do que eu sei, não!

Ensaiei esse texto mil vezes no espelho de casa, depois que voltei daquele encontro infeliz. Mas espero nunca mais ver Luciana. se disser isso pra ela, vai dizer que estou com ciúme.


3 comentários:

Anônimo disse...

Bem-aventurado um dos links que mantive no meu blog! Entro quase nunca para escrever para mim mesmo - às vezes entra um invasor e fala qualquer coisa, comenta gentilmente sem atingir minha vaidade ou sei lá.

Como sentia falta de ler linhas de algumas pessoas, como tu!

Uma coisa intrigante: com tanto material disponível em si mesma, agora é uma honra ainda maior que considere compartilhar um trabalho cênico comigo =)

.alfajor.


Polly disse...

No aguardo...

Polly disse...

No aguardo...