domingo, 7 de setembro de 2008

Caça fantasmas ou um pouco do remedinho amargo.

Os textos imaginários. Os amigos imaginários. Fica tudo aqui na fabulosa imaginação da cabeça gigante. A insegurança. Os passos de dança que estão por serem dados. O cigarro enjoativo. As pegadas do meu chinelo de dedo no piso frio. A foto que escondi.
A C.B. tanto imaginou e imaginou, que aos oito anos precocemente teve um namorado imaginário. Parava na escada e espantada com o encontro nos últimos degraus dizia: “Oi meu amor, você por aqui?”. Colocava o braço por cima do encosto do sofá, onde estava o ombro do namoradinho recém inventado. No ombro dele, seus braços descansavam.
Até o dia em que sua mãe descobriu tudo. Quis levá-la ao médico. C.B., prática, desprendida e bem dona de sua vida, acabou com o relacionamento. Fim dos problemas.
Por aqui é só o começo. Presa num cubículo de dois metros por dois, me acostumei a sangrar e a chorar pelo sangue derramado durante doze anos. Já tive filhos prematuros, já ganhei milhões, já perdi um Oscar, já namorei o moço da TV, já dei um tiro num ex-namorado. Tudo aqui dentro. Ninguém soube, afinal de contas sou discreta e cuidadosa. Algumas vezes eu ouvia vozes e para evitar desconfianças, saía um pouco e dava as risadas que elas gostavam que eu desse. Mas me trancava imediatamente em seguida, porque assim estabeleci que me puniria. A culpa estava aqui o tempo todo, só eu não vi.
Tratamento de bichinho de estimação. Mas eu pouco me estimava. Estimava não me poupar, exigir mais do que poderia me dar e sofrer as rejeições antes que elas efetivamente acontecessem. Do lado de fora elas nunca vieram. Do lado de dentro era um bombardeio.
Algumas mãos amigas se ofereceram, sempre tem uma. Só que para uma pessoa desse tipo, acostumada às pequenas sabotagens, não tem mão que salve. O perdão é necessário, mas nunca vem; não por ser imperdoável, mas por ser incompreensível.
Agora, sem mão nenhuma, sem o elo da vida anterior, nem cubículo, tem um mundo inteiro que não exige nada e está esperando. O mundo é uma espera de bilhões de anos. Não é por mim que ele espera. Dessa espera só agora dou as primeiras piscadas de olhos. Não estou cantando o rapaz de óculos da fila do supermercado. Não! Estou me acostumando com a luz. Ainda não danço. São passos ainda carregados de feixes de escuridão dos fantasmas. Libertá-los?
Não é libertação. Não estiveram presos; estiveram apenas em ebulição silenciosa.
Aí eles começam a fazer barulho. Nesse dia, a rejeição chega de verdade e não tem passo de dança bem ou mal dado que mande para o canto a dor de não estar mais em si, de não pertencer. Nos olhos só tem o ressentimento e a ressaca deles não tem a ver com o mar. A cigana oblíqua faz ruídos demais para voltar a ser encantadora.
Um pouco do remedinho então. O problema se resolve com um pouco dos sintéticos. Diz que sim, por favor? Não vou contar nadinha para mãe de C.B. Ela não poderia saber.

6 comentários:

Bill Falcão disse...

É, é bom mesmo não contar nada pra mãe hehehe!!!
Ontem, encontrei o DVD de "O Fabuloso Destino de Amelie Poulain", que vi pela metade, certa vez, na TV a cabo. Agora, vou ver tudinho.
E amanhã, provavelmente, encaminho algum bom material que recebi por aqui, legal? Depois a senhorita Polly me diz se gostou, tá bem?
E um bjoooooooooo!!!!!!!!!

Flora Ramos disse...

Estes fantasmas, sempre estarão por aí.

Anônimo disse...

Para a C.B., para Polly ou para o "eu lírico" de uma das duas:
Olhos de ressaca são oblíquos mas encantadores. Na discrição, a vida acontece, vivida, inventada, re-inventada. Mas como dizia o Chris Supertramp, "a felicidade só vale se é compartilhada" - ou algo do tipo.

Tô por aqui. Mesmo no rodízio.
Beijo!

Dani Pedroza disse...

Prosa poética, poema em prosa... Mania besta de definir... O fato é que a-do-rei...

Li como quem aprecia o pôr-do-sol... luz, sombra, oscilação, equilíbrio...

Enfim... Virei mais vezes.

Mari disse...

Oi,linda

Caramba!Adorei isso...fiquei me lembrando de Nietszche quando escreveu:"A verdadeira vida é aquela que inventamos que vivemos"
Deixa a mãe fora disso,melhor...

bjs e obrigado pela visita

Anônimo disse...

um oi atrasado, mas sempre saudoso! hoje tive um surto pq nao consigo configurar a porcaria da internet em casa. deve ser simples, mas o analfabeto digital nao entende nada de codigos e configuracoes tecnicas. enfim, continuo tentando. hj me senti um viciado, louco para sanar sua abstinencia virtual.
o seu texto me fez lembrar um filme chamad: requiem - por um sonho! esta semana eu refletia o papel das maes na vida de todos os individuos...elas sao culpadas, muitas vezes, pelos passos de danca que nao foram dados.
quero compor minha propria musica e tentar danca-la. danca um tango comigo! te amo