terça-feira, 13 de abril de 2010

As mãos, os médicos e algumas tragédias

"Chegando no lugar novo, vi um cartaz com uma citação de Platão dizendo que ele era gentil porque cada pessoa que encontrava trazia consigo grande...esqueci a palavra, mas era alguma coisa a ver com batalha, conflito, dor, sei lá o quê"

Enquanto as pessoas se comovem, me distancio. Não interessa a mim culpar ninguém. Todas as vezes que uma tragédia de grandes proporções acontece, me sinto tão incapaz quanto estou no hospital sendo medicada por pessoas que não conheço. Incapaz não é a palavra. Impotente é a que sempre uso. Nunca estive envolvida em grandes deslizamentos de terra, enchentes, desabamento de casas. Nada disso. Somente as pequenas tragédias cotidianas, que me impulsionam a escrever esse texto mesquinho e pequeno.

Definitivamente não preciso de médicos gentis, que peguem na minha mão e sorriam para mim. Mas é claro que se isso vier no pacote do bom profissional, será muito bem vindo, obrigada. Ano passado, um alergista gentil me atendeu num hospital muito elegante na Moóca, conversou animadamente comigo e disse que os sintomas de forte gripe que me acompanhavam há um mês, a tosse insistente e tudo mais passariam em uma semana, afinal a culpa era só a minha negligencia. No início eu quis esperar sete dias para ver se a doença passava e não cuidei.

Uma semana depois do inicio do uso dos remédios, eu estava bem pior e me consultei com outro médico não tão educado, nem bem apessoado. Ele viu minha receita e torceu o nariz. Acontece que o primeiro médico muito gentil, não se atentou ao meu histórico de asma e me deu remédios que asmáticos não podem tomar em hipótese alguma. Conclusão: o que estava dormindo despertou e agora qualquer mudança de tempo mexe com meus pulmões, como nos primórdios da minha infância.

Isso em proporções maiores causam tragédias que a tevê gosta de transmitir. Gosta mesmo, com sadismo. Quando acabou o julgamento do casal Nardoni e o Big Brother Brasil estava em vias de acabar, me perguntei qual seria o próximo espetáculo, qual emissora daria a largada e quem seria o mártir ou o Judas da vez. Não esperava que a fome de notícia deles fosse ser alimentada tão rápido.

Deixando as considerações de jornalismo duvidoso à parte, vamos aos questionamentos, levantados sim pela mídia, mas que satisfazem de alguma forma à questões de senso comum, vendo imagens de um lixão, que antes tinham casas em cima. Enquanto escrevia um outro texto, uma pessoa, ou duas, ou mais estavam morrendo embaixo de escombros. Enquanto escrevo este, a cada minuto gasto, 12 crianças morrem de fome no mundo. De quem é a culpa?

Quando a tragédia foi em Santa Catarina, não vi muitas considerações sobre a culpa do governo. Quando as chuvas de quarenta dias e noites inundaram São Paulo, Kassab arregaçou as mangas para atribuir os estragos ao volume de chuva, afinal "Não tem cidade que aguente". Agora com o Rio, Niterói e adjacências a atribuição está sendo feita exclusivamente ao governo, afinal ninguém tá nem aí para os problemas do Rio. Só para as beleza, para as Olimpíadas...que é o que interessa! Porém, viram há tempo que pegava mal esse preocupação com tanta gente morrendo e deixaram isso para depois. Bom senso? Meio hipócrita, mas caiu bem.

O que as pessoas fazem ali? É só por conta do descaso do governo que não tem plano de ocupação para as cidades? Enquanto helicópteros filmavam o tamanho do estrago, uma mulher, no limite entre a cratera que se abriu com o deslizamento e sua casa em vias de desabar, acenava para as câmeras, dançando e sorrindo. Sabe o que acontece, muitas vezes, quando um conjunto habitacional de prédios ou casas é construído pra desocupar favelas ou regiões de risco? Assim que algumas pessoas pegam os imóveis, vendem e fazem crescer novamente outra favela em outro lugar, não necessariamente perto dali. Uma metástase.

Então, não sei de quem é a culpa. Também não sei se tem cura. E nem se isso acontece porque o tratamento não é eficaz. Não dá pra saber. A raiz tá muito profunda. Os médicos têm que examinar melhor o paciente, ao invés de tratá-los como uma montanha de pele e osso que de repente apareceu na frente dele com um problema. Gente não é montanha de lixo. A fome se sacia com comida e ninguém consegue resolver e acabar com ela também. Então não é a falta de solução; é que a existência e permanência do problema deve convir para alguém. Me desculpem a conclusão simplista, mas enquanto tiver tragédia tem político, candidatos à Nobel da Paz, indo visitar área de risco com capacete de segurança e botas de chuva e falando com voz firme. E não é pra segurar a emoção. É pra que alguém acredite. Eles pegam a mão do paciente, sorriem no final e dizem que vai ficar tudo bem. Mas uma mudança de tempo e uma chuva mais fina, podem fazer o paciente ter uma recaída mais grave. E a solução é ministrar paliativos, para aliviar a dor até que ele, o paciente, se vá de vez.

Um comentário:

Camila Paier disse...

Oi guria! Nossa, como escreves bem! hehe
Achei o texto ótimo, supercrítico, e é assim que tem que ser: rico em linguagem e imaginação.
Beijoca!