sábado, 10 de abril de 2010

Poderia ter feito um diário ou...

“Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser. Que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”

Amir Klink


Cheiro da terra molhada. Quando saímos do camping às margens do Rio Preto, dois gatos nos acompanharam junto com o cheiro. Eu com minhas tendências supersticiosas hereditárias, acreditei que aquilo seria um bom sinal, mesmo sendo muito alérgica a felinos. A dupla nos rondava desde a noite anterior, depois de termos conhecido o lugar mais bonito de Maromba e tomado um bocado de chuva com outros imprevistos que hoje geram gargalhadas somente. Não é vontade de dar ar solene à despedida de um lugar que é destino de muitos doidos tão acostumados com viagens à lugares tão ou mais bonitos que Visconde de Mauá e mediações.

Eram essas as férias planejadas para Machu Picchu e que as chuvas que caíram por lá, destuiram a estrada de ferro e as possibilidades da viagem acontecer. De todos os possíveis roteiros que surgiram depois, Mauá foi o destino de última hora. E a vontade de conhecer o lugar, os encontros, o trajeto e a partida mexeram com algumas certezas, sedimentaram verdades e criaram possibilidades. Falo por mim.

Tranquilamente a viagem de volta, duraria entre cinco ou seis horas. Mas o imprevisto de todos os horários e linhas estarem lotados num início de semana e o a chuva que começou a cair no Rio de Janeiro, dobraram o tempo da volta e da espera.

Encontramos o tédio. E o tédio nos encontrou numa mistura de cansaço e sentimento de missão cumprida. Não se viaja apenas pelas belas paisagens. Clarice diz alguma coisa parecida com o caminho é o prêmio. Esta, ao contrário das outras viagens que me dei e ganhei de presente este ano, foi de uma importância diferente das demais.

Primeiro porque a Inara e somente a Inara estava lá corajosamente de corpo presente. Outras pessoas estiveram em nossas mentes e corações em cada casinha que víamos, cada rosto que (re)conhecíamos, cada conversa que pudemos desfrutar com os locais, em cada cachoeira que se revelava deslumbrantemente diante dos nossos olhos. Mas a Inara foi muito corajosa, não só porque escorregou aventurosamente/desastrosamente de uma cachoeira perigosa. Mas porque ela viajou. Simples assim. Todo o resto dispensam palavras e nem teria como colocá-las aqui, simplesmente porque não sei como.

Depois, as pessoas. Elas nos receberam, nos acolheram da forma delas, em seus estabelecimentos, em suas poltronas e balcões e falaram de coisas importantes. Sobre a relação simples com o lugar que elas escolheram para morar e viver, com pouco consumo mas com bastante sossego e em contrapartida sobre o asfalto que vai chegar e trazer muitos problemas. Falamos da importância (ou não) de estar inserido num grupo e de atuar nele; prestar serviço para os outros. Sabe aquele tipo de conversa que a gente não tem mais com ninguém? Que não é oficial e nem com compromisso de fazer bonito porque tem gente que julgamos importante ouvindo? Aquele tipo de prosa, regada à cachaça ou não que gente na média dos 20 e tantos anos, poucas vezes teve e sinto e temo que terá poucas oportunidades de tê-la? Então...

Conversa demorada, onde um fala o outro escuta e em seguida responde o que o coração diz, o que a cabeça pensou sobre o que ouviu e não o que a cabeça matutou para ser genial dizer. Aquela conversa onde a gente somente ri do que ouviu ou olha francamente nos olhos do interlocutor. Lá tinha muitos grilos que preenchiam convenientemente o silêncio das palavras. Não eram encanações. Eram grilos mesmo, organismos vivos, verdinhos, que fazem barulho com suas patas. Eles foram também trilha sonora da insônia da última noite. Eu não queria ir embora e estava preocupada com a possibilidade da barraca não aguentar a chuva e um grilo achou de ficar bem do lado direito da barraca. E um outro dentro da minha cabeça.

Em Resende, por onde obrigatoriamente temos que passar para pegar ônibus de volta para São Paulo, fazia um pouco de calor. Lá é que a espera dobrou o tempo da viagem. Seriam quatro horas até o próximo ônibus. Coloquei um chinelo e guardei o tênis na bagagem já muito pesada. E foi de chinelo que cheguei em São Paulo, peguei metrô e ônibus e ouvia triste as conversas vazias e desesperadas dos estudantes às onze da noite que só queriam ser aceitos uns pelos outros. Quando entrei no ônibus, não ouvi nenhum boa noite em retorno ao que dei ao motorista. Muito menos ao que foi dado à cobradora. Recebi ao invés disso o ar e olhar de reprovação da cobradora sonolenta que me mediu de cima abaixo. Os chinelos não combinam com a cidade chuvosa e anoitecida?

Estava triste mas alguma coisinha me deixava tranquila. Era a minha casa. Ter uma casa pra voltar é um dos prêmios do caminho de volta. Ter uma mãe desatenta aos relatos da viagem, porque o filme da tevê está muitíssimo interessante, também. É a graça de ser filha, porque no intervalo comercial ela pode dizer descompromissadamente que ficou com muito medo da viagem que fiz.

No dia seguinte, as notícias ruins me acordaram de vez para o pesadelo. A minha relação com a terra não inclui revolvê-la para procurar os corpos e contabilizar os mortos. Mas ela me dá alguma serenidade pra parar e tentar entender o aparentemente inexplicável. Porque no fundo somos capacidados pra entender os sinais que ela nos dá. A questão é o quanto estamos disposto a aceitar que estamos errados nas interpretações.

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