sábado, 17 de julho de 2010
Um desastre para Matilde
Por favor, não pare de ouvir. Fique em silêncio e ouça. Não pare de ouvir. O mundo tá girando enquanto você fala de si. Pergunte se estou bem e ouça a resposta se quiser mesmo saber disso. Não me interrompa no meio. Não faça isso. Não fale só de você logo após perguntar sobre mim. Não pergunte sobre mim. Nada me afeta. O relato de um acidente acabou de me afetar. É minha amiga. Ela tem ciúme, mas é minha amiga. Ela é linda e é minha amiga. A pergunta despretensiosa ontem me afetou. Um olhar direto me afetou. Afetou afetou, mas já passou. Tudo passou e não deixo de querer o instante para esquecer que já passou. Em instantes o carro tomou as rédeas da vida dela e mostrou quem é que manda. Não adianta me dizer que pensa muito no que eu disse. Não lembro nada do que eu disse. Não lembro nada das palavras bonitas que digo. Elas servem o meu agora e eu finjo que quero ser ouvida. O triângulo não impediu que outro carro viesse em seguida, na traseira. O efêmero do guard rail. Depois o agora delas já vai ter passado e não me servem de nada. Não me afeta. Não me apego. Não quero. Não paro de ouvir o disco novo dos moços de Leon. O disco novo que já ficou velho. Assim calada sei que vou ser coroada rainha de mim. Calada para entender que o carro não capotou apesar do ferro retorcido. Como tá viva? E que adianta? Ser rainha de mim? O que adianta? Não quero ser rainha de nada. Foi tão assustador no bar. Tomei um susto quando olhei no espelho aquele dia. Lembro do meu sorriso. Lembro das verdades que me disse olhando muito honestamente pra minha cara arranhada. Foi no mergulho profundo nas águas do inverno quente que ganhei arranhões profundos na minha fuça. Ir no fundo, deixa marcas. Quando submergir, use remédios para estancar o que vai continuar jorrando. Depois no bar, olhei de novo os arranhões. Fui tão honesta comigo que só pude rir de prazer. Pare de me seguir, pare de me seguir. Não quero ser de ninguém. O amor, a politica, a religião e as drogas são experiências puramente individuais meu brother. E qualquer coisa é mais importante que um engradado de cevada. Vai embora logo e não coloque seus dramas na comanda. Ninguém vai dividir essa conta amarga. Não me julgue. Quando as experiências individuas tomam conta do coletivo, a gente deve sorrir e não julgar. Não me julgue. Me deixe livre para usar as máscaras ou ficar nua. Tem que ser como bem quero. Não quero caber na casa nem nos planos de ninguém. Faço planos pra mim que duram um segundo. Tenho lembranças embaixo da chuva do chuveiro que parecem que vão durar uma vida. Me ajoelho. Deus? Você está ai rapaz? Deus me quer bem, eu sei. Ele entende meu pseudo ateísmo, como ninguém nessa terra seria capaz. Se você quiser me ouvir mesmo, pare de falar de si. Sou capaz de falar sobre qualquer coisa. E é tudo bobagem. Por que você quer levar a sério? Me distrai. É descartável. Me descarte, pois eu não sou uma certeza. Eu saio e entro pelos fundos e deixo o guarda chuva molhado para secar enquanto ponho a roupa. Toda noite e feita para dançar.
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Um comentário:
"Já faz tempo eu vi você na rua, cabelo ao vento, gente jovem reunida..."
Pensei nesse trecho de música quando quis escrever "faz tempo que não te leio".
Eu gostei muito do texto da Matilde, pq ele acompanha o pensamento. Vai e volta, chora e ri. É assim que a gente pensa. É bom te ler.
Beijos
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