terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Uma hora transborda o assunto latente

" - Eu faço das duas maneiras, e desse jeito sou feliz, cara - confessou relaxando. - Acho que gosto mais de garotas do que de garotos, mas de qualquer maneira não me apaixonaria nem por um nem por outro. O segredo da felicidade , ou pelo menos, da tranquilidade, é saber separar sexo e amor. E, se possível, eliminar da vida o amor romântico, que é o que faz sofrer. Assim se vive mais sossegado se aproveita mais, pode crer. "  - fala do Juan, "Travessuras da menina má" Vargas Llosa


Em 2008 conheci um cara, daqueles bem resistentes, remanescente da cultura hippie. Ele mora no meio duma clareira em São Tomé das Letras. Vive do camping e do artesanato. Sei que ainda vive, porque recentemente liguei no celular dele. Iria me "hospedar" no seu "estabelecimento". Um hippie moderno, com celular. 
Pregava aos quatro ventos que ninguém é de ninguém. Falava com ar paternal, que tinha muita pena de nós, pobres jovens paulistas, que engolimos fumaça e crescemos com o asfalto, concreto e a selvageria de gravata. Eu também tenho dó de nós por causa disso.
Antes de aderir a vida paz-e-amor, era químico da Rhodia, ganhava muitas cifras por mês. Um belo dia, cansado da vida vazia que consistia em apenas ganhar dinheiro, foi para o meio do mato com sua esposa. Lá planejou com a ajuda do estudo do alinhamento dos planetas, qual o melhor momento para parir um filho. Decidiram que seria de escorpião. Um menino.
Mas como na vida de verdade não há final feliz , num dia não tão belo a vida bicho grilo perdeu a graça e a mulher cansou de brincar de espírito da floresta e voou para Europa. Lá onde as luzes são diferentes e a grama parece ser mais bonita que a nossa...
Essa história ele só contava quando a cachaça já dominava o corpo, a mente e o coração. Principalmente o coração. A cachaça não era para anestesiar, era para liberar as mágoas.
Ele queria construir ali uma comunidade onde todo mundo ajudava todo mundo e ninguém era de ninguém. Um moço que estava lá hospedado conosco, casado, achava tudo aquilo muito belo, todo o discurso fazia muito sentido. Até que sua mulher virou alvo dos galanteios do hippie da Rhodia. 
Na verdade o termo certo é "até que ele percebeu que a mulher era o alvo dos galanteios". Aquilo vinha acontecendo desde que chegamos lá. Eu estava ali, percebendo tudo a distância, porque por motivos que não interessam aqui,  meu olhar era mais de observação. E não confiava naquele discurso nem fodendo. 
Já fazia algum tempo que eu era bombardeada constantemente pela filosofia do desapego. Mas hoje só algumas coisas servem para mim. Qualquer exagero é sinal de alerta para alguma coisa bem mal resolvida. Inclusive a insistência no desapego. Porque ao mesmo tempo que me pregavam isso, eu era diariamente convidada a estar junto e estar junto e estar junto. No meio da história, quando  cansei, fui convidada a continuar porque sim, porque valia a pena. No final, quando me adaptei e sabia o que era bom e o que era ruim para mim, era só silêncio e o "não tínhamos garantia de nada". Era só o porque não e o machismo enrustido.
No final , o amor livre tão bonito, não serviu de nada. Porque tem o machismo e o sentimento ingênuo de propriedade até no aspirante a marxista mais fervoroso. Não tem filosofia que dê conta de ir contra isso. Qualquer combate contra as coisas ditas do coração, soa falso quando a gente sabe que um simples gole de cachaça ou uma ligação no meio de um dia parado coloca para fora o que está latejando...embarga a voz, deixa o telefone mudo.  
Cada encontro faz brotar uma relação diferente; não adianta pregar ao coração alheio conceitos  alternativos ou tradicionais de convivência. Ninguém sobrevive a imposições, nem as que são maquiadas de contra-cultura.
Desconfio de todo ex-alcoolatra-cheirador-ladrão-pedófilo que virou crente fervoroso de alguma coisa. Trocou uma droga pela outra. 
Muitas vezes fugir para o meio do mato é só mudar o problema e o exagero de lugar.





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