quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Sobre a virada da maré: Quem tem fé?

Sou Matilde. La dolorosa. Não falo castelhano, nem escrevo usando manhas e simulações. O fato de estarem ali, comemorando mais um motivo para tirar a roupa quando anoitecer, não tem nada a ver comigo. Só quero o cheque no final da noite. Me comporto bem se me pagam bem. Não pedi para me tirarem do meio do ferro retorcido. Eu era só mais uma aspirante de vagabunda, que descoloria o cabelo e tinha voz de fantasma. Gostava de ir a casas de swing também. Se tivesse ficado ali, enquanto a gasolina do tanque estourado vazava em minha boca, não teria desenvolvido habilidade suficiente para ser acusada. Evasão de divisas não é pra qualquer um. Sei que hoje sou maior que a avenida em que me acidentei. E ultrapasso os limites de qualquer expectativa de que me recuperasse, de que sucumbisse, de que fracassasse ou de que pedisse um taxi. O fluxo da transação era muito grande. É o tipo de coisa que ou se faz sozinha, ou que depois de feito, mata-se o comparsa. Fui amadora. Raspei a cabeça há 4 meses para não ser descoberta, mas sobrou um fio na navalha que me delatou. Sobrou o DNA da adolescente vagabunda egoísta que só pensa no hoje. Transferi a vista os milhões que me pediram em troca da rótula do meu joelho, que ficou grudada no guard rail aquela noite. Me copiaram, me testaram. Mordi a isca e agora minha barriga estufa. Pensou que ia se livrar do cheiro da ferrugem? Eu desboto em quem tenta se livrar de mim. Evasão de divisas não é pra qualquer um. Estou presa, mas isso só depende do ponto de vista. Seria óbvio se caísse de novo pelo esgoto e seria prazeroso para você, se me arrastasse pelo chão e ultrapassasse o vão das grades. Mas essa rótula aqui foi cara e dessa vez nenhum realismo fantático me regurgitará pelos fundos.

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